Autor:
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Miguel Ignatios |
Qualificação:
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Presidente da Associação dos Dirigentes de vendas e Marketing do Brasil (ADVB) e da Fundação Brasileira de Marketing (FBM). |
E-mail:
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Data:
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06/07/00 |
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O desperdício de água
No período compreendido entre junho e outubro, cerca de quatro milhões de paulistanos moradores de bairros das zonas Sul e Sudoeste da Capital terão de, a contragosto, planejar o uso de água potável. A previsão da Sabesp para o rodízio de cinco meses é de dois dias com água e um dia sem. Em outras palavras, até o final de outubro, se não chover muito até lá, principalmente nos meses de inverno, pouco mais de um terço dos paulistanos terão de optar entre o banho diário e o "ritual" semanal do desperdício de água para lavar, ensaboar e dar lustro no objeto mais importante do cotidiano: o automóvel.
Só para o leitor ter uma idéia do tamanho de tal desperdício, basta lembrar que existem circulando na cidade de São Paulo aproximadamente quatro milhões de carros. A lavagem de um deles eqüivale, em média, a dez banhos de uma pessoa adulta. É só multiplicar o volume de água consumida por um milhão e 300 mil carros (aproximadamente um terço da frota circulante). E isso se repete, pelo menos, uma vez por semana.
Infelizmente, esse desperdício não é o único. Quem mora em edifícios sabe que, por ordem dos síndicos, os faxineiros lavam quase todos os dias as áreas comuns de todos os andares, o pavimento térreo e a garagem. E isso chova ou faça sol, seja verão ou inverno. A água substitui criminosamente nesses locais dezenas de vassouras, ou seja, ela é usada também para varrer o chão.
O racionamento de água, segundo as explicações dadas pela Sabesp, pegou a todos (governo, sociedade, mídia e usuários) de surpresa. E deveu-se às fracas chuvas ocorridas durante os meses de março e abril.
Ora, como todos nós sabemos, essa versão dada para o racionamento é, no mínimo, inconsistente, pois, desde o final do ano passado, meteorologistas vinham alertando as autoridades para a possibilidade de o ano 2000 ser atipicamente seco, devido ao efeito conhecido como "La niña", o contrário do "El niño", no oceano Pacífico. Portanto, não se admite o fator surpresa.
Além disso, nenhuma palavra foi dita pelos técnicos da Sabesp em relação ao desmatamento dos mananciais que abastecem a zona Sul e a região do ABC, as represas de Guarapiranga e Billings, ocasionado pelos quase um milhão de pessoas que moram em áreas próximas, atraídos pelo lucro fácil dos loteamentos clandestinos, os quais foram estimulados pela total ausência de fiscalização. O círculo vicioso continua a se expandir, já que essas pessoas, além de desmatar, ainda poluem as águas das represas, despejando nelas esgoto sem qualquer tratamento.
Outra crítica feita por especialistas no assunto à Sabesp é a inexistência de alguma margem de segurança no sistema de tratamento da água e na operação da distribuição para a rede. De acordo com suas estimativas, uma margem de segurança de 10% bastaria para que se evitasse o rodízio deste ano.
Lembro aos leitores que a Cidade do México, com uma população superior à de São Paulo, não tem rios, lagos, nem mananciais próximos. Toda a rede de distribuição de água potável é abastecida por um eficiente sistema de poços artesianos.
Mas o problema agora é o que fazer para minimizar os efeitos do racionamento de água. Sugiro à Sabesp duas medidas emergenciais: proibir a lavagem diária nos edifícios e de carros com mangueiras de água. Uma campanha de esclarecimento à população poderia ser feita durante um mês, por exemplo. Depois disso, aplicar-se-iam multas pesadas para inibir essas formas de desperdício.
Como medida de médio prazo, poder-se-ia estudar a implantação de uma rede de poços artesianos, que seria acionada para suplementar o abastecimento de água potável em anos secos como este.
E, mais a longo prazo, que tal implantar-se um sistema de reutilização da água nas próprias casas, reciclando aquela usada para banho para, por exemplo, usos de lavagem de chão e descarga sanitária?
O fato inconteste é que a água não pode mais ser desperdiçada pois ela é finita e cada vez mais custosa para captação, tratamento, armazenagem e distribuição.