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Sobre o Corralito ou Como os Advogados Argentinos Garantem o Estado de Direito Buenos Aires, abril de 2002. Já foi dito que o Continente Sul-Americano é o lugar onde se podem estudar os melhores exemplos das revoluções inacabadas. Muitas causas conduzem a esse canal emissário de frustração, inclusive as propostas messiânicas que se procuram empregar para males crônicos. É, portanto, consuetudinário esse proceder. Mas, contra a imposição do corralito o Colégio de Advogados de Buenos Aires levantou-se: não só orienta, com plantonistas bem preparados, os advogados a manejar os instrumentos legais para defender a sociedade enganada por Meném durante dez anos, como também mobiliza-se em cada passo ocorrente, para que as instituições democráticas saiam ilesas da insensatez dessa política econômica. O resultado é que as medidas de amparo (cautelares) em um mês atingem níveis recordes no país, pois cerca de 100.000 ações já ingressaram nas Cortes Federais. Acredita o povo no Poder Judiciário, antes de insurgir-se com violência maior à latente. Sintetizando o que conseguimos coletar, numa brevíssima pesquisa, nos órgãos de comunicação e na mais recente literatura, entre jornalistas, politólogos, advogados, políticos, magistrados, professores, parece haver um consenso de que a reforma política, antes de qualquer outra econômica, é indispensável para: a) incrementar a qualidade da democracia praticada no país; b) eliminar o financiamento dos partidos sem a utilização do empreguismo público; c) reduzir substancialmente a estrutura atual de custos do sistema político; d) reduzir o número de parlamentares em todos os níveis; e) reformar a Constituição ou, antes, reformar a política para tentar a credibilidade popular; f) reformar o sistema eleitoral, dando-lhe transparência e organicidade; g) a qualquer preço, reduzir o custo do poder, analisando-se o nível do gasto político, seja em termos absolutos e relativos, seja no que perde o país com a gestão corrupta e ineficiente tanto de políticos como de funcionários públicos (propostas oferecidas por Javier Garcia Elonio, Joaquim Morales Solá, Rudy Dormbusch, Artemiro López, Ricardo Finocchietto, Eugenio Raúl Zaffaroni e Rosendo Fraga). Em suma, enquanto a economia teve um incremento de 50% (no seu PIB) na década de 90, houve uma diferença entre ricos e pobres de 52%. Logo, houve crescimento desigual, que deve ser, e logo, superado, com a luta contra a evasão fiscal, a reforma da educação e da saúde, do sistema de aposentadorias, do regime trabalhista, com a limitação dos gastos dos gabinetes dos legisladores que superestimam as despesas para nenhuma eficiência pública. E, sobretudo, ter em conta que a imprensa deve voltar-se ao povo, pois é o que pensamos a crise econômica é agudíssima, como nunca houvera, já que ocorreu uma ruptura do vínculo social com a classe política e até com as instituições. O Presidente Duhalde, pelo menos, até agora, parece estar respeitando o Estado de Direito, apesar do corralito (que foi nada mais ou nada menos do que bloquear as contas bancárias e converter os depósitos em dólar norte-americano em pesos, a uma taxa arbitrariamente fixada). Para conseguir êxito com sua proposta, foram sancionados e promulgados, por ele e pelos anteriores, a Lei nº 25.557, modificando e derrogando outras antecedentes; a Lei nº 25.561 emergência pública e reforma do regime das obrigações afetadas por ela, inclusive as obrigações vinculadas ao sistema financeiro, aos contratos da administração pública e regidas pelas normas de direito público, da proteção dos usuários e dos consumidores de bens e serviços de qualquer natureza; veio também a Lei nº 25.562, que altera a carta orgânica (estrutura) do Banco Central da República Argentina; a Lei nº 25.563, que reestruturou a lei de falências, ampliando os prazos de pagamentos para os devedores em concordata, bem como novou as obrigações do setor privado e hipotecário, ampliando os prazos e as formas de liquidação desses passivos. Além disso, pelo Decreto 1570/2001, foi ordenado ao Sistema Financeiro a limitar os saques, assim como atuou o governo na área financeira com os Decretos 1606/2001, 050/2002, 071/2002, 141/2002 e 214/2002; com as Resoluções do Ministério da Economia de nºs 6/2002, 9/2002, 10/2002, 18/2002, 23/2002, 46/2002 e 47/2002 e com os Comunicados do Banco Central da República Argentina A3377, de 5 de dezembro de 2001 a A3467, de 8 de fevereiro de 2002. Dá arrepio a qualquer advogado ver a edição de tantas normas no campo do direito financeiro e econômico, afetando duramente os mais pobres, porque a pilantragem já levara os pesos para Montevidéu e outros lugares, bem assessorada pelos farsantes de inúmeros private banks. Duramente, o Colégio Público de Advogados de Buenos Aires tem combatido essas medidas por meio de eficientes petições de amparos, que sem pejo ou preconceito ele as oferece aos seus filiados. Com longa prática nas Cortes, surpreendeu-nos a clareza da demonstração de inconstitucionalidade das normas editadas pelo corralito, através dos exemplos que nos foram oferecidos. Sobretudo o largo discernimento dos advogados tem encontrado nas violações à Lei Maior argentina um forte motivo de defesa do Estado de Direito. Mas sobressalta e é digno de realce que os advogados não se contentam em sustentar seus brilhantes arrazoados nas leis de seu país, mas buscam em leis internacionais, ratificadas pelo direito interno, o mesmo respaldo. Tanto é que as ações contra o corralito tem apoio nos artigos XIV, XVIII, XXIII e XIV da Declaração Americana dos Direitos do Homem, nos artigos 8, 17 e 23 da Declaração Universal dos Direitos Humanos e nos artigos 8, 21, 25 e 27 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, além das normas constitucionais. Trata-se esse procedimento do Colégio de Advogados um importante avanço na defesa dos interesses individuais lesionados, quando, apesar do Presidente Bush procurar militarizar qualquer crime, com leve conotação de terrorismo, passa a servir de lição, ainda que amarga, para a América Latina sair da eterna dependência alienígena e sua população de cultura tão brilhante e tão multifária realize seu sonho, sem retoques, maquiagem ou censura. [1] Aryeh Meier, autor do livro "Wars Crimes: brutality, genocide and terror" escreveu para a edição italiana da The New York Review of Books Rivista dei Libri, o artigo "Processo ai Tribunali (militari)", onde esclarece que as medidas de Bush violam fortemente os direitos dos estrangeiros residentes nos Estados Unidos, além de serem inconstitucionais, p. 19-22, ano XIII, nº 3, mar 2002, Florença. |
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