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Perspectivas do crédito no Brasil A contribuição decisiva da expansão do crédito para o crescimento econômico é um fato inquestionável. Se por um lado nunca se consumiu tanto no Brasil, também nunca vimos um crescimento tão acelerado da oferta de crédito. Segundo dados do Banco Central, o estoque de crédito na economia atingiu, em junho de 2010, R$ 1,53 trilhão, ou 19,7% a mais do que em junho de 2009. Em relação ao PIB, o volume de crédito atingiu ou 45,7%, contra 41,8% 12 meses antes. Já o volume de provisões para créditos de liquidação duvidosa mostra números saudáveis em 2010. Se em relação a junho de 2009 estas provisões estão 3,9% maiores, em 2010 elas decresceram. Em dezembro de 2010 o volume de previsões somava R$ 97,5 bilhões, enquanto que em junho último elas caíram para R$ 94,7 bilhões. O volume de credito para pessoas físicas vem crescendo com muito mais vigor do que aquele para pessoas jurídicas, numa prova inequívoca que crédito e consumo vêm caminhando lado a lado. Desconsiderando-se os chamados recursos direcionados (como as operações com BNDES, de crédito imobiliário e crédito rural), o crédito para as famílias vêm ganhando terreno em relação àquelas direcionadas para as empresas em junho de 2010 os dois grupos, PF e PJ, dividem o estoque de crédito (50% - 50%), enquanto que em dezembro de 2008, logo após a crise mundial de crédito, as pessoas jurídicas predominavam, com 55% contra 45% das pessoas físicas. Fotografia a “fotografia” do crédito no Brasil é exuberante. Os 45% do PIB são bastante razoáveis se considerarmos que o crédito imobiliário ainda é uma classe de crédito púbere no país, representando algo como 7% do volume total e esta cifra tem tudo para triplicar nos próximos cinco anos. A qualidade do crédito que é tão importante quanto à quantidade também é de alta qualidade, tanto no volume quanto a composição (por nível de risco) das provisões. No entanto, assim como a fotografia nos dá uma limitada noção de profundidade e amplitude, os números do crédito no Brasil precisam de muita análise antes que tirem conclusões precipitadas. Desequilíbrios o primeiro que chama a atenção é o apetite voraz do sistema financeiro e das empresas de cartões de crédito para o risco pessoa física. O crédito para empresas, que cresceu com similar voracidade no período 2005-2008, tornou-se muito mais restrito a partir da crise do subprime americano, que eclodiu em 15 de setembro de 2008, com a quebra do banco de investimentos americano Lehman Brothers. Até então, o sistema financeiro brasileiro passou a estender financiamentos para empresas de pequeno e médio porte, fora dos padrões de outrora: prazo máximo de 180 dias e cobertura integral de recebíveis. Em 2006, 2007 tornou-se comum encontrar empresas com faturamento anual de R$ 20 milhões/ano, com poucos anos de atividade, recebendo linhas de até três anos, com seis meses de carência. Estas linhas seriam impossíveis de serem aprovadas dois anos antes. Veio a crise e com ela uma brutal redução das linhas interbancárias internacionais, mais uma tremenda insegurança de todos os financeiros em todos os países, sem exceção Brasil incluído. A recessão que se instalou no Brasil foi rápida, mas aguda, com o produto industrial caindo mais de 15% em um trimestre, causada, principalmente, pela retroalimentação da falta de apetite de crédito do sistema financeiro. A conseqüência deste processo foi os bancos tendo que refinanciar (quase que compulsoriamente) empréstimos indesejáveis e lançar a perdas volumes inesperados. Até hoje, na metade de 2010, as empresas de pequeno e médio porte sofrem de uma oferta de crédito bastante restrita, numa estranha desarmonia com o aquecimento da economia brasileira. O ponto que destoa desta análise é a presença do BNDES, que bateu todos os recordes de desembolsos em 2009 e parte de 2010. Suas linhas, principalmente voltadas para o desenvolvimento industrial e de infraestrutura, vêm sendo cruciais para que tenhamos alicerces fortes para o crescimento econômico que estamos vivenciando. A Pessoa Física o crédito para empresas foi impactado por conta da crise de 2008, enquanto que o segmento de pessoas físicas ficou relativamente preservado. No entanto, crédito e endividamento são novidades em nosso país. Até 1994 apenas 16 anos atrás vivíamos sob um regime hiper-inflacionário e até 2002 o Brasil foi chacoalhado por diversas crises macroeconômicas, que simplesmente inviabilizava a plenitude da atividade creditícia. Adicione-se a este contexto o limitado nível educacional de considerável parcela da nossa população e teremos pouca experiência no trato do crédito conjugada com dificuldade de compreensão de gestão de finanças pessoais, sem falar na incapacidade de entender cálculos financeiros simples. Pois se é o crédito que vem turbinando esta massiva migração de classes no Brasil que hoje consegue comprar sua TV de plasma, seu DVD e seu celular apenas com comprovante de residência , este mesmo crédito compromete considerável parcela da renda líquida da população. Estamos convivendo com a primeira grande geração de neo-endividados brasileiros. Gente simples, de caráter, que está simplesmente tirando o atraso de décadas à margem do consumo. Mas se a expressão “quem nunca comeu melado uma hora se lambuza” é verdadeira, é uma questão de tempo para que tenhamos uma onda de inadimplência nos portfólios de crédito de pessoa física. Este grupo de pessoas não está preparado para enfrentar uma redução da atividade econômica não estamos falando de crise! , que impacte negativamente o nível de emprego e renda. Da mesma forma, o atual nível de endividamento também não contempla os naturais acidentes de percurso, que afligem qualquer pessoa. O carro que demanda manutenção, uma reforma obrigatória na casa, uma doença em família e por aí segue. Note-se que nada disso é necessariamente um problema quando os ventos estão soprando na direção correta. Nestas horas o crédito é abundante e o refinanciamento facilitado. Mas quando a economia esfria o mercado financeiro tira o pé do acelerador, e aí o neo-endividado não tem o “direito” a ter problemas, pois o crédito será restrito, adicionando novas dores de cabeça para o seu já difícil momento. Relativizando os números outro problema que sugere uma onda de inadimplência futura é o nível das nossas taxas de juros. Mas antes vamos destacar as taxas de juros que podemos considerar civilizadas (para um país que tem uma taxa básica acima de 10%, impostos sobre a intermediação financeira e altos compulsórios sobre depósitos bancários). Quem se endivida para comprar um carro novo ou a casa própria é um felizardo, pois além de estarem financiando um ativo com considerável valor de revenda e liquidez, paga juros bastante razoáveis. O problema está no cidadão que vai ao shopping center, no final de semana, e ao consumir banalidades como um almoço, algumas revistas e CDs na livraria mega-store, mais um presente de aniversário para o afilhado, parcela estas compras no cartão de crédito. Este cidadão estará incorrendo num serviço de dívida, que ao menor descuido lhe será fatal, uma vez que as taxas de juros do cartão de crédito andam ao redor de 100% a.a. Parece-me incorreto, portanto, festejar o fato de que o volume de crédito em relação ao PIB no Brasil atingiu a marca de 45%. Ela omite a informação altamente relevante que esta dívida custa quase 10 vezes mais do que aquela que paga por um cidadão americano, europeu ou até pelos nossos vizinhos chilenos. |
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